Por Cardeal D. J. Mercier, “Aos meus
seminaristas”, pág 29 a 32.
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Da glória que conquistaria a Igreja escrevera o salmista
que ela seria toda interior, “com toda a glória é levada para dentro” (cf. Sl 45/44,
14-15); o mesmo Isaías que ao cabo de sua profecia vibraria de comoção diante dos
triunfos conquistadores de Cristo, d’Ele dissera que reinaria silenciosamente: “Eis
aqui o meu servo, – assim fala o Senhor –, é o meu escolhido, n’Ele pôs a minha
alma as suas complacências; sobre Ele derramei o meu espírito e promulgará a justiça
às nações. Não clamará, nem a sua voz se ouvirá nas praças.” (Is 42, 1-2).
Não é, de fato, neste religioso silêncio que vamos
encontrar em Nazaré o Menino Jesus? Depois de ocultar nove meses na obscuridade
do seio de sua Mãe e após haver acolhido em silêncio na gruta de Belém adorações
de pastores e homenagens de reis, ei-Lo durante trinta anos numa oficina ignorada
não tendo outra companhia habitual senão a de José – nome que desperta em toda alma
cristã a ideia de gravidade, modéstia e paz – e a de sua Mãe cuja característica
era, no dizer de São Lucas, o recolhimento e a meditação: “Maria conservava em seu
interior”, diz o evangelista, “as palavras que ouvira e se comprazia o seu coração
em repassá-las no silêncio” (Lc 2, 51).
Acaso ponderastes já, bastante, este fato extraordinário
e paradoxal a nossas vistas humanas, da vida oculta de Jesus numa oficina humilde
de Nazaré? Refleti: é o Verbo de Deus, imagem resplendente e consubstancial do Pai
Eterno, que reveste a natureza humana para se aproximar de nós e lançar entre os
homens sementes de graça e de verdade. Ele viera trazer luz e redenção a todos os
povos da terra; mas para inaugurar a missão abençoada não dispõe, segundo o plano
divino, de senão cerca de trinta e três anos de vida terrestre. Ora, eis o fenômeno
e o paradoxo: destes trinta e três anos reservará três ou quatro apenas para a pregação
pública, quanto que os trinta primeiros, tê-los-á passado em recolhido silêncio,
a sós com sua Mãe e Pai nutrício, dando-se ao trabalho manual e à íntima união com
seu Pai Eterno!
Se alguma coisa no mundo nos pudera capacitar de preço
da solidão interior, não seria porventura este espetáculo, em tão viva contradição
com as nossas inquietas solicitudes e agitações ordinárias?
Compenetrai-vos, caros Amigos, da eloquência decisiva
destas lições. O que mais que tudo importa no cumprimento da divina vontade não
é o movimento e o estrondo, menos ainda a agitação febril; não são os atos que ferem
no exterior os olhos; mas é o preparar-se a alma tranquila e refletidamente para
a ação, é o sujeitar a vontade às comunicações divinas com o fito de assegurar,
estreitar e consolidar mais fortemente a nossa união com Aquele em quem temos vida,
movimento e ser.
Contemplemos o nosso divino Salvador, como conserva
os seus hábitos de Nazaré ainda em sua vida pública: ao cair da tarde, Ele se afasta
da multidão rumorosa e, por tomar descanso das fadigas do dia, passa as noites mergulhado
em oração a Deus, “passando a noite em oração a Deus” (cf. Lc 6, 12).
Aliás, não Lhe fora prelúdio do ministério público,
o retiro de quarenta dias no deserto?
E quando soou a hora dos acontecimentos supremos, já
instituída a Santa Eucaristia e antes de se iniciar o drama de sangue da sua paixão,
Ele se retira da sala do Cenáculo, aparta-se do colégio apostólico apenas retendo
consigo aos três diletos; atravessa em sua companhia a torrente de Cedron e depois,
ansiando por solidão mais completa, deixa-os ainda a eles, seus tão diletos, e avança
a distância de um lanço de pedra. Então, completamente só, lança-se joelhos em terra
e trava o último com bate da vontade robustecida pela graça contra a rebelião tumultuosa
da natureza que não sofre morrer; purpureia-lhe a fronte o suor de sangue que lhe
corre pela face; não recebe outra consolação que a do anjo enviado pelo Pai; entanto,
no seu absoluto recolhimento, Ele bebe toda a energia sobre-humana que pode dar
a graça e para logo experimenta coragem bastante a executar o mais sublime ato de
caridade: “Não se faça, ó Pai, minha vontade, senão a tua” (cf. Lc 22, 42).
Jesus no Jardim das Oliveiras; Jesus rejeitado dos
homens e aparentemente abandonado por seu Pai sobre a cruz, lançando para o céu
o clamor confiante da vontade que supera o desespero das aspirações inferiores:
“Meu Pai, meu Pai, por que me abandonaste?” (cf. Mt 27, 46); Jesus descido a um
túmulo e três dias encerrado num sepulcro; Jesus, enfim, desde então e para sempre
até o fim dos séculos, buscando uma derradeira morada no mistério dos véus eucarísticos
do pão e do vinho, deixando-se depositar no cibório e encerrar num tabernáculo,
e contudo a viver sempre em comunicação inefável com o Pai, a implorar sem tréguas
por nós, pois “ele vive para sempre intercedendo por nós” (cf. Hb 7, 25). Eis, caros
Amigos, qual é Jesus, o modelo de vida cristã e, por título especial, o modelo dos
que estamos onerados da missão de O ensinar ao mundo e de O fazer amar!
(...)
Acaso não é o próprio Salvador divino quem nos oferece
este ensinamento? Condição indispensável para ter boa oração é procurar o recolhimento
e o silêncio: “Tu, quando orares, entra no teu quarto e, fechando a porta, ora ao
teu Pai que está lá, no segredo; e o teu Pai, que vê no segredo, te recompensará”
(Mt 6, 6). E em prática familiar com as irmãs de Lázaro, Ele nos lembra dois gêneros
de vida: a primeira, correta e irrepreensível, é a de Marta; melhor a outra e preferível,
é a de Maria. Marta é ativa, multiplica-se em mil ocupações exteriores, compreendendo
a custo como se pode a alma conservar em silêncio aos pés do Mestre a receber sua
doutrina.
Maria não tem mais que um pensamento, e só vive de
oração.
O divino Mestre não condena a primeira, mas suas preferências
abertamente se declaram pela segunda: “Maria escolheu a melhor parte, a qual não
lhe será tirada” (Lc 10, 42).
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