Por Santo Afonso Maria de Ligório, “A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo”, p. 136-142.

Diz Santo Agostinho não haver coisa mais útil para conseguir a
salvação eterna do que pensar todos os
dias nos tormentos que Jesus sofreu por nosso amor. E já Orígenes tinha escrito
que o pecado não poderia certamente imperar na alma que meditasse continuamente
na morte de seu Salvador. Além disso, revelou o Senhor a um santo anacoreta não
haver exercício mais apropriado para acender num coração o amor divino do que
meditar na Paixão de nosso Redentor. Por essa razão dizia o Pe. Baltasar
Álvarez que a ignorância dos tesouros que possuímos em Jesus, na sua paixão, é
a ruína dos cristãos, e por isso repetia a seus penitentes que não pensassem ter
feito coisa alguma se não tivessem ainda conseguido ter sempre fixo no seu
coração Jesus crucificado. As chagas de Jesus, dizia São Boaventura, ferem os
corações mais duros e inflamam as almas mais frias.
Ora, como adverte
sabiamente um douto escritor, não há coisa melhor para nos descobrir os
tesouros recônditos na Paixão de Jesus Cristo do que a simples narração dessa
mesma paixão. Basta para inflamar uma alma fiel no amor divino a narração feita
pelos santos evangelhos e considerar com olhos cristãos tudo o que o Salvador
sofreu nos principais teatros de sua Paixão, isto é, no horto das Oliveiras,
na cidade de Jerusalém e no monte Calvário. São belas e boas as muitas
considerações feitas e escritas por autores piedosos sobre a paixão de Jesus;
mas certamente faz maior impressão a um cristão uma só palavra das Sagradas
Escrituras do que cem ou mil considerações e revelações escritas ou feitas a
algumas pessoas devotas, pois as criaturas nos afiançam que tudo o que elas nos
referem é certo e tem uma certeza de fé divina.
Para tal fim quis, em
benefício e para consolação das almas que amam a Jesus Cristo, pôr em ordem e
referir simplesmente (ajuntando apenas algumas breves reflexões e afetos) o que
nos dizem da paixão de Jesus os sagrados evangelistas, os quais nos oferecem
matéria de meditação para cem e até mil anos, capaz de inflamar ao mesmo tempo
os nossos corações em amor para com nosso amantíssimo Redentor.
Ó Deus, como é possível
que uma alma que tem fé e considera as dores e ignomínias que Jesus Cristo
sofreu por nós não arda de amor por Ele e não tome firmes resoluções de
fazer-se santa para não ser ingrata para com esse Deus tão amoroso? É preciso
fé; do contrário, se a fé não nos desse a certeza, quem poderia aceitar o que
Deus fez em verdade por nós? “Ele se aniquilou a si mesmo, assumindo a condição
de escravo” (Fl 2,7). Quem poderia crer que Jesus é o próprio ser supremo que é
adorado no céu, vendo-o nascer num estábulo? Quem o vê fugindo para o Egito,
para livrar-se das mãos de Herodes, crerá que Ele é onipotente? Quem o vê a
agonizar de tristeza, no horto, o julgará felicíssimo? Vê-lo preso a uma
coluna, pendente de um patíbulo e crê-lo Senhor do universo?
Que espanto ver um rei que se fizesse
verme, que se arrastasse pelo chão, que habitasse numa cova de barro e daí
desse leis, criasse ministros e governasse o reino. Ó santa fé, revelai o que
é Jesus Cristo, quem é esse homem que parece tão vil como todos os outros
homens: “O Verbo se fez carne” (Jo 1,14). São João nos atesta que Ele é Verbo
eterno, é o Unigênito de Deus. E qual foi a vida que passou na terra esse
Homem-Deus? Ei-la, referida por Isaías: “Era desprezado, era a escória da
humanidade, homem das dores” (Is 53,3). Ele quis ser o homem das dores e não houve um instante
em que Ele estivesse livre de dores. Foi o homem das dores e o homem dos
desprezos. Desprezado e como o último dos homens, sim porque Jesus foi o mais
desprezado e maltratado, como se fosse o último e o mais vil de todos os
homens.
Deus! Preso por guardas
como um malfeitor! Deus flagelado como um escravo! Tratado como rei da burla!
Deus morre pendente num lenho infame! Que impressões não devem causar estes
prodígios em quem tem fé? E que desejo não deverão infundir de padecer por Jesus
Cristo? Dizia São Francisco de Sales: “As chamas do Redentor são outras tantas
bocas que nos ensinam como devemos padecer por Ele. Esta é a ciência dos
santos, sofrer constantemente por Jesus, e assim tornaram-se depressa santos. E
como não nos abrasaremos em amor à vista das chagas do Redentor? Que ventura
podermos ser abrasados pelo mesmo fogo em que se abrasa o nosso Deus, e que
alegria de sermos unidos a Deus pelas cadeias de amor”.
Mas por que então
tantos fiéis contemplam Jesus Cristo na cruz com olhos indiferentes? Assistem
até na Semana Santa à solenidade de sua morte, mas sem nenhum sentimento de
ternura ou gratidão, como se se tratasse de uma coisa irreal ou que nada
tivesse conosco. Talvez não saibam ou não creiam no que dizem os evangelhos
sobre a Paixão de Jesus Cristo? Respondo e digo que muito bem o sabem e creem,
mas não refletem nisso. Pois quem o crê e nisso pensa não poderá deixar de se
abrasar no amor de Deus, que tanto padeceu e morreu por seu amor.
“O amor de Cristo nos
constrange” (2Cor 5,14), escreve o Apóstolo. Quer dizer que na paixão do
Senhor não devemos considerar tanto as dores e os desprezos que Ele padeceu,
mas o amor com que os suportou, pois se Jesus quis sofrer tanto, não foi
unicamente para salvar-nos, já que para isso bastava uma simples oração sua,
mas para nos patentear o amor que nos consagra e assim ganhar os nossos corações.
E de fato, se uma alma pensa neste amor de Jesus Cristo, não poderá deixar de
amá-lo: “O amor de Cristo nos constrange”. Ela se sentirá presa e obrigada
quase por força a dedicar-lhe todo o seu afeto. Por esta razão Jesus Cristo
morreu por nós todos, para que não vivamos mais para nós, mas exclusivamente
para esse amantíssimo Redentor, que por nós sacrificou sua vida divina.
Oh! Felizes de vós, almas amantes, que
meditais continuamente na paixão de Jesus, porque “tirareis com alegria águas
das fontes da salvação” (Is 12,3). Vós tirareis águas perenes de amor e
confiança dessas fontes felizes que são as chagas de vosso Salvador. E como
poderá duvidar ainda da divina misericórdia qualquer pecador, por maiores que
sejam os seus pecados, se ele se arrepende de suas culpas, à vista de Jesus
crucificado, sabendo que o Pai Eterno carregou sobre esse seu Filho dileto
todos os nossos pecados, para que Ele satisfizesse por nós a justiça divina? “O
Senhor fez recair sobre ele o castigo das faltas de todos nós” (Is 53,6). Como
poderemos temer que nos negue alguma graça, ajunta São Paulo, “aquele que não
poupou seu próprio Filho, mas que por todos nós o entregou?” (Rm 8,32). 139
Jesus entra em Jerusalém
“Eis que teu rei vem a ti cheio de
mansidão, montado numa jumenta, num jumentinho, filho da que leva o jugo” (Mt
21,5). Nosso Redentor, avizinhando-se o tempo de sua Paixão, parte de Betânia
para entrar em Jerusalém. Que humildade de Jesus Cristo em querer entrar nessa
cidade sentado sobre um jumento, sendo Ele o rei do céu. Ó Jerusalém,
contempla o teu rei, como ele vem humilde e manso. Não temas que Ele venha para
reinar sobre ti e apossar-se de tuas riquezas; não, Ele vem todo amor e cheio
de compaixão para salvar-te e trazer-te a vida com sua morte. Entretanto, o
povo, que já O venerava por causa de seus milagres e especialmente por causa da
ressurreição de Lázaro, vem ao seu encontro. Uns estendem suas vestes sobre o
caminho em que devia passar, outros espalham folhagens de árvores para O
honorificar. Quem diria então que esse Senhor, recebido com tantas honras,
dentro de poucos dias teria de aparecer aí mesmo como réu condenado à morte com
uma cruz às costas?
Meu caro Jesus, quisestes, pois, fazer essa entrada solene
para que vossa paixão e morte fosse tanto mais ignominiosa quanto maior fora a
honra recebida. Os louvores que agora vos dá essa ingrata cidade, em poucos dias serão transformados em
injúrias e maldições. Agora vos dizem: “Hosana ao Filho de Davi, bendito
aquele que vem em nome do Senhor” (Mt 21,9). E depois levantarão a voz,
dizendo: “Fora com ele! Fora com ele! Crucifica-o” (Jo 19,15). Agora
despojam-se de suas próprias vestes, e depois vos despojarão das vossas para
vos flagelar e crucificar. Agora cortam as palmas para as colocar debaixo dos
vossos pés, e depois cortarão ramos de espinhos para com eles vos atravessarem
a cabeça. Agora vos bendizem e louvam e depois vos encherão de insultos e
blasfêmias. Ao menos tu, minha alma, dize-lhe com amor e gratidão: “Bendito o
que vem em nome do Senhor”. Meu amado Redentor, sede sempre bendito, já que
viestes salvar-me: se não tivésseis vindo, estaríamos todos perdidos.
“Aproximando-se ainda
mais, Jesus contemplou Jerusalém e chorou sobre ela” (Lc 19,41). Jesus, ao se
aproximar da infeliz cidade, a contemplou e chorou, pensando na sua ingratidão
e ruína. Ah, meu Senhor, vós, chorando então sobre a ingratidão de Jerusalém,
choráveis também sobre a minha ingratidão e a ruína de minha alma. Meu amado
Redentor, vós chorais vendo o dano que eu mesmo me causei, expulsando-vos de
minha alma e obrigando-vos a condenar-me ao inferno depois de haverdes morrido
para me salvar. Oh! Deixai que eu chore, pois é a mim que compete chorar ao
considerar o mal que vos causei, ofendendo-vos e separando-me de vós, que tanto
me amastes. Eterno Pai, por aquelas lágrimas que vosso Filho derramou sobre
mim, dai-me a dor de meus pecados. E vós, ó amoroso e terno Coração de meu Jesus,
tende piedade de mim, pois eu detesto acima de todos os males os desgostos que
vos dei e estou resolvido a nada mais amar afora vós.
Jesus Cristo, tendo
entrado em Jerusalém e se ocupado o dia inteiro com a pregação e cura dos
enfermos, pela tarde não encontrou ninguém que o convidasse a repousar em sua
casa; viu-se por isso obrigado a voltar novamente a Betânia. Meu amado Senhor,
se os outros vos expulsam, eu não quero expelir-vos. Houve, é verdade, um tempo
desgraçado em que eu vos expulsei de minha alma: agora, porém, estimo mais
estar unido a vós do que possuir todos os reinos do mundo. Ah, meu Deus, o que
poderá jamais separar-me do vosso amor?
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